terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Teatro nas Ilhas

É tempo de maré cheia na Escola de Teatro e Dança da UFPA

Proposta de roteiro e criação de textos surgem
a partir das experiências das crianças

Corpo, voz e emoção. Com essa matéria-prima, a professora Inês Antonia Ribeiro, da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), e a equipe do Projeto "Preamar Teatral: arte, formação e cidadania nas escolas públicas das ilhas de Belém" têm transformado as rotinas dos estudantes e professores das ilhas de Belém. Por meio de técnicas, como contação de histórias, jogos teatrais e improvisação, o Projeto de Extensão do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da UFPA tem levado, desde janeiro deste ano, oficinas teatrais às Ilhas do Combu e de Caratateua. Atuando em um eixo paralelo, o Preamar Teatral também estende suas atividades ao Espaço Acolher da Santa Casa de Misericórdia do Pará, que atende vítimas de escalpelamento.

Nas escolas ribeirinhas, durante a intervenção do Preamar, as salas de aula se convertem em laboratórios de vivência. O cenário é a vasta vegetação e o rio ao longe. O roteiro é criado de forma colaborativa pelas crianças e adolescentes. Atores e plateia se confundem. No que se refere à produção e à criação de textos teatrais, o que conta é a experiência direta das crianças."Não trazemos nada pronto. Tudo é construído e repassado a partir do que os alunos vão contando e demandando na hora", explica a professora Inês Ribeiro, coordenadora do Preamar.

Os alunos e educadores da Unidade Pedagógica da Ilha do Combu, a apenas 20 minutos de barco de Belém, estão entre os contemplados pelo Preamar. Nesta escola, a equipe do Projeto utiliza o teatro como ferramenta didático-pedagógica, repassando, de modo lúdico e interativo, noções de cidadania, meio ambiente e organização do corpo no espaço. A professora Inês Ribeiro identifica, por exemplo, que as crianças de seis e sete anos têm problemas referentes à lateralidade, com dificuldades de percepção entre direita e esquerda.

Desta forma, ela inclui em sua dinâmica uma canção sobre uma antiga lenda indígena. "Pela música, pela dança, elas aprendem sem saber que estão sendo ensinadas", diz a professora, que ressalta os resultados positivos alcançados pelas técnicas teatrais quando introduzidas nas aulas, uma vez que é por meio da experiência de atuação direta com o corpo que o aluno-ator aprende a se reconhecer.

Formação continuada para professores da rede pública

Outro ponto trabalhado é a valorização da cultura ribeirinha. Na Semana do Folclore, por exemplo, as lendas foram contadas e dramatizadas pelos alunos. A professora Inês Ribeiro conduz, mas não induz as crianças. A imaginação delas remete a histórias riquíssimas em detalhes, sempre resgatando o imaginário caboclo. As crianças se empolgam e a história vai sendo construída. Todos têm um tio, uma prima, um vizinho que já foi engolido pela "Cobra grande", ou assombrado pela "Matinta Pereira" ou que já tenha levado uma lição do "Curupira".

Paralelamente à ação com os estudantes, a equipe do Preamar Teatral - composta pela pesquisadora da ETDUFPA, por quatro estagiários e pelos professores colaboradores Paulo Santanna e Walter Chile - vai interagindo com os educadores locais. Bastante receptivos, os professores da educação infantil e os do ensino fundamental anotam tudo o que está acontecendo, recebem orientações dos técnicos do Projeto e repassam seus conhecimentos sobre a realidade das Ilhas. Além das oficinas práticas, os educadores recebem aporte teórico para que possam desenvolver suas próprias dinâmicas.

Para a professora Inês Ribeiro, a articulação entre a Escola de Teatro e Dança e as escolas públicas das ilhas de Belém, mediada pelo fazer teatral, possibilita a formação continuada de professores, contribuindo para a ampliação da sensibilidade e para a descoberta de novos caminhos. O objetivo é potencializar as concepções pedagógicas dos educadores, no que se refere aos usos da linguagem teatral, e fazer com que eles se tornem multiplicadores do Projeto.

São grandes os desafios encontrados. O desinteresse e a tendência à dispersão dos alunos das escolas assistidas são apontados pelos integrantes do Projeto como alguns dos principais problemas a serem superados. Segundo o estudante de Pedagogia Breno Monteiro, bolsista do Preamar, as ações desenvolvidas por meio das técnicas teatrais têm amenizado aspectos problemáticos. Para o estagiário, à medida que as intervenções aumentam, há um progresso quanto à concentração e à socialização dos alunos.

Alunos têm melhor desempenho em outras disciplinas

Para Fátima Nogueira Dias, professora do ensino fundamental da Unidade Pedagógica do Combu, o Preamar tem gerado resultados visíveis. "As ações do Projeto em nossa escola têm aumentado o interesse dos alunos em sala de aula. Tenho uma aluna, por exemplo, que sempre foi inquieta e dispersa. Desde que o Teatro entrou em nossa rotina, descobri algo fantástico. A menina se volta completamente às atividades, se envolve e participa. Isso tem se refletido em seu desempenho em todas as disciplinas", destaca a educadora.

Como estão entre os objetivos do Projeto a promoção de mostras teatrais nas escolas envolvidas e a visita a espetáculos em Belém, os laboratórios de vivência têm atuado também na formação de plateias. Nesta atividade, os alunos-atores têm a oportunidade de descobrir um papel social e individual que precisa ser desenvolvido. Esta ação gera uma fonte inesgotável de cultura e reflexão, favorecendo uma atuação mais consciente na sociedade e despertando o aluno para o mundo das artes cênicas.

"Esta primeira edição do Projeto é uma iniciativa piloto e projetamos novos caminhos a partir desta experiência. Queremos aumentar a participação dos familiares, promover exposições sobre Artes Cênicas nas escolas e, futuramente, adquirir o Barco Preamar Teatral, que seria uma versão flutuante do Projeto", diz a coordenadora.

O Projeto Preamar almeja, também, contribuir para a saúde e a geração de renda dos moradores das Ilhas. Uma das ideias é a introdução de uma alimentação alternativa na rotina dos comunitários a partir do aproveitamento dos nutrientes procedentes das cascas, raízes, sementes e polpas. A construção de uma padaria comunitária, gerida por mulheres das comunidades ribeirinhas, é outro plano que está sendo estudado.

Para o professor da ETDUFPA Walter Chile, colaborador do Preamar e autor da ideia, a implementação da padaria pode garantir sustento, agregar os membros da comunidade e preencher uma lacuna na alimentação dos moradores. Pelos êxitos obtidos até agora e pela vontade de toda a equipe, não restam dúvidas de que tais planos sejam concretizados.

http://www.ufpa.br/beiradorio/novo/index.php/leia-tambem/118-edicao-87/1105-e-tempo-de-mare-cheia-na-esco

do site: www.ufpa.br

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